Um ditado popular diz que quando nasce um filho, nasce uma mãe. Mas no caso de Victor Nascimento e Mirian de Oliveira, a frase pode ser adaptada: quando surge um diagnóstico, nasce um recomeço.
Essa é a tônica da relação dos dois desde que Mirian foi diagnosticada com Alzheimer, aos 54 anos da idade, em 2019. Quando receberam a notícia, o susto foi duplo: fora o próprio diagnóstico, houve surpresa da família, também, pela doença não atingir, na maioria dos casos, pessoas nessa faixa etária.
Victor tem 34 anos e é músico. Antes da doença, ele conta que não era próximo da mãe, mas depois do diagnóstico e do Alzheimer avançar rapidamente, passou a cuidar dela em tempo integral. Os dois vivem juntos em Umuarama, noroeste do Paraná, desde 2021.
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Para o compositor, o significado da palavra “mãe” sofreu uma metamorfose depois da doença – o que antes era visto por ele apenas como um grau de parentesco, hoje reflete o sentimento de esperança.
“Para mim ela significa esperança. Esperança no sentido de que ela espera, e todos nós esperamos, que eu consiga cuidar dela da melhor maneira possível até o final. A esperança dela reavivou a minha”, ressalta Victor.
Hoje, a mobilidade de Mirian é comprometida e a comunicação dela é feita, na maior parte do tempo, pelo olhar. Para facilitar o contato com a mãe, Victor utiliza música. Ele, que trabalha como cantor em eventos, passou a fazer shows particulares para ela e compor canções inspiradas no dia a dia da família.
Nas redes sociais, Victor compartilha vídeos da rotina dos dois. Nas gravações, não só Mirian aprecia o talento de Victor, como também a filha do cantor: Maria Antonieta, de três meses.
“Músicas que a gente cantava desde a barriga pra Maria Antonieta, hoje são as músicas que acalmam ela. Músicas que a minha mãe ouvia e cantava, minha mãe também cantava e cantava muito bem, diga-se de passagem, hoje fazem diferença na hora do tratamento, porque ela reconhece as músicas.”
Victor fez da música uma terapia alternativa para Mirian
Arquivo pessoal
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A vida antes e depois do diagnóstico
Hoje, Mirian tem 60 anos
Gislaine Reis/Fotógrafa
Apesar do diagnóstico ter sido em 2019, Victor conta que desde 1996 “o feijão dela não tem mais o mesmo sabor”. Naquela época, Mirian era bancária e, durante uma cirurgia, ficou cerca de dois minutos sem oxigenação, o que gerou uma lesão no cérebro e deixou sequelas que não comprometeram a independência dela, mas afetaram o dia a dia.
Os anos passaram e Mirian começou a apresentar comportamentos que pediam mais atenção a partir de 2015. À época, ela se perdia pela cidade e tinha conversas desconexas com os vizinhos.
Em 2018, quando ela morava com o filho mais velho, a ex-nora de Mirian notou sintomas semelhantes aos da avó, também diagnosticada com Alzheimer.
A partir do acompanhamento médico, foi detectado uma progressão na diminuição da cognição de Mirian, o que acendeu o alerta para a doença, diagnosticada um ano depois.
O Alzheimer é um tipo de doença degenerativa cognitiva que compromete, principalmente, a memória, como explica Viviane Flumignan Zetola, professora de Neurologia da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e atual coordenadora da pós-graduação em medicina interna e Ciências da Saúde da universidade.
Apesar de não existir uma idade especifica para o surgimento da doença, Zetola ressalta que casos de Alzheimer aos 50 anos são raros por, na maioria das vezes, a doença estar interligada a fatores de riscos da terceira idade, como hipertensão, diabetes, inatividade física, perda auditiva, isolamento social, entre outros.
“Para o diagnóstico, temos que realizar exames complementares como avaliação neuropsicometria e o que hoje denominamos de ‘biomarcadores’ para melhor diferenciar entre os processos degenerativos diferenciais e sermos mais assertivos na proposta do tratamento”, explica a professora.
Zetola ressalta que a qualidade de vida de pessoas com a doença de Alzheimer exige cuidados para além das necessidades básicas.
“O apoio da família é fundamental, não só no cuidado que a longo prazo ele vai necessitar, como o cuidado com a higiene, a alimentação, mas também o cuidado de manter a pessoa dentro do convívio familiar”, ressalta a professora.
No caso de Mirian, segundo o filho, os cuidados diários ficaram mais fáceis depois que foi estabelecida uma rotina.
Filho e mãe reconectados
Victor e Mirian
Gislaine Reis/Fotógrafa
Victor se recorda que durante os anos que antecederam o diagnóstico, a mãe apresentava sintomas de depressão, o que a fez se isolar dos três filhos.
“A gente não se visitava, não se ligava mais. Já não tinha mais tanto vínculo”, lembra o cantor.
Em 2021, na pandemia da Covid-19, Victor passou a visitá-la, respeitando os cuidados necessários que o período exigia. À época, a família cogitou colocá-la em uma casa de repouso, porém, depois visitar seis instituições diferentes, Victor achou que o número de cuidadores dos locais insuficiente para a quantidade de pacientes.
Mãe e filho se reconectaram após o diagnóstico
Arquivo pessoal
“Não que o cuidado básico fosse negligenciado, mas não é só o cuidado básico que basta. Eu pensava assim na época: quem que vai rezar com a minha mãe à noite antes de dormir? Ela reza sempre.”
Foi a partir disso que Mirian passou a morar com Victor. Desde então, a doença avançou, mas a relação entre os dois se fortaleceu como eles jamais tinham visto.
Importância da família repassada para os filhos
Victor e a família
Gislaine Reis/Fotógrafa
Quando os momentos parecem difíceis, Victor diz que encontra forças no amor que sente pela família. Busca refúgio, também, na religião. Católico, o cantor ressignificou o sentido da “cruz”, fazendo referência a morte de Jesus Cristo.
“Muitas vezes eu estou cansado, muitos dias eu não quero dar banho na minha mãe e eu acho que o que me sustenta nesse momento é o senso de missão, é o senso de ‘cruz’. No momento em que eu falo em carregar uma cruz, é entender que carregar uma cruz não é para ser sofrido. A cruz, assim como Jesus carregou, foi com amor. Sofrimento só pelo sofrimento, a gente desiste muito antes.”
É com este pensamento que Victor cria Maria Antonieta e Daniel, filho do primeiro relacionamento, com a esperança de que eles possam compreender a importância da família e do cuidado com os mais velhos, assim como o pai entendeu depois do diagnóstico da mãe.
“Que eu cumpra a minha missão de criá-los bem para que, em determinado momento, eles não tenham dúvida na hora que as mães deles precisarem de ajuda”, diz Victor.
*Com colaboração de Caroline Maltaca, assistente de produtos digitais.
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