O árbitro Alisson Sidnei Furtado executou o “protocolo antirracismo” na partida que provocou a prisão em flagrante do jogador de futebol boliviano Miguel Angel Terceros Acuna, conhecido como Miguelito, do América-MG.
Miguelito foi detido na noite de domingo (4), suspeito de injúria racial contra o jogador brasileiro Allano Brendon de Souza Lima, do Operário-PR, e nesta segunda-feira (5) teve a liberdade provisória concedida. O caso aconteceu durante uma partida da série B do Campeonato Brasileiro de Futebol realizada em Ponta Grossa, nos Campos Gerais do Paraná. Relembre detalhes mais abaixo.
? Siga o canal do g1 PR no WhatsApp
? Siga o canal do g1 PR no Telegram
Árbitro Alisson Sidnei Furtado executou protocolo antirracismo e jogador Miguelito, do América-MG, foi preso após partida —
Valdecir Galvan/RPC – Reprodução
Após receber o relato do caso, Furtado, que atuava como árbitro principal da partida, pausou o jogo e executou o procedimento previsto pela Confederação Brasileira de Futebol (CBF).
O profissional fez um gesto de X com os braços, em frente ao peito. Com isso, a denúncia de injúria racial deve constar na súmula do jogo.
O protocolo foi implementado pela CBF no final de 2024 após uma recomendação da Federação Internacional de Futebol Associado (Fifa).
Em agosto do mesmo ano, a federação internacional emitiu um posicionamento global sobre o assunto, detalhando o procedimento. Veja, abaixo, o que diz a cartilha de orientações.
Protocolo antirracismo no futebol
Fifa elaborou um protocolo a respeito de casos de racismo ocorridos em campo
Reprodução
Etapa 1 – parar a partida
Um jogador que é alvo de abuso deve usar o gesto contra o racismo para sinalizar o incidente ao árbitro, capitão ou ao oficial da equipe.
O árbitro que observar ou receber uma denúncia deve usar o gesto contra o racismo para sinalizar o incidente e decidir se deve ou não parar a partida. O Oficial da Competição também pode observar ou receber uma denúncia de abuso. Nesses casos, deve comunicar ao árbitro a necessidade de interromper a partida, e o árbitro decidirá se deve ou não parar o jogo.
Em caso de paralisação, um anúncio deve ser feito no estádio para informar a todos os motivos da partida ter sido parada, e que se o incidente não cessar a partida será interrompida.
Etapa 2 – interromper a partida
Se o incidente não cessar após o reinício da partida, o árbitro deve interromper a partida e instruir ambas as equipes a retornarem aos vestiários. Um anúncio deve ser feito no estádio para informar a todos o motivo da interrupção da partida, e que se o incidente não cessar a partida será cancelada.
Etapa 3 – cancelamento da partida
Se o incidente não cessar após o reinício da partida, o árbitro deve cancelar a partida. Isto só acontecerá após consulta com as autoridades e especialistas relevantes, e somente quando for seguro cancelar.
Leia também:
Crime: Discussão entre irmãos durante comemoração em família acaba com morte da mãe
Entenda: Confusão em festa de igreja termina com dois mortos e um ferido após idoso atirar contra o próprio cunhado
Mais de 100 envolvidos no grupo: Quem é chefe de grupo de extermínio suspeito de acompanhar execuções por vídeos de dentro da cadeia no PR: ‘Tô deitado planejando matar três’
Entenda o caso
Polícia do Paraná prende em flagrante meio-campo do América-MG por injúria racial
A situação aconteceu aos 30 minutos do primeiro tempo. O jogo ficou paralisado por cerca de 15 minutos, e depois Miguelito continuou jogando.
Ao final da partida, o jogador foi levado pela Polícia Militar até uma delegacia da Polícia Civil da cidade.
“Após lance de disputa de bola seguido de falta a favor da equipe do Operário Ferroviário, o jogador do América-MG teria proferido a expressão ‘preto do ca**lho’ contra o jogador da equipe paranaense. […] A ofensa racial foi confirmada tanto pela vítima, quanto pelo jogador Jacy, capitão do Operário Ferroviário, que presenciou o ocorrido”, explica o delegado Gabriel Munhoz, responsável pelo caso.
CONFIRA TAMBÉM: O que aconteceu nos casos recentes de racismo no futebol?
Allano chorou após denunciar o caso ao árbitro
Valdecir Galvan/RPC
Segundo ele, as imagens da transmissão oficial não captaram a ofensa porque o atleta estava de costas para as câmeras no momento da fala. Entretanto, para ele, os depoimentos foram considerados suficientes para a caracterização do flagrante.
“A Polícia Civil já estabeleceu contato com os canais de transmissão da partida, através do advogado do Operário Ferroviário, para obtenção de possíveis imagens captadas de outros ângulos que possam ter registrado a fala racista”, complementa.
Durante o depoimento à polícia, Miguelito negou que tenha se referido ao outro jogador com expressões racistas.
De acordo com o Código Penal do Brasil, a pena máxima prevista para o crime de racismo/injúria racial é de cinco anos de reclusão.
A defesa de Miguelito afirma seguir o posicionamento do clube América-MG, que afirma que o jogador nega o crime. Presidente do Conselho de Administração do América-MG chamou as acusações de “infundadas”. Leia a nota completa abaixo.
Justificativa para a liberdade provisória
O jogador não passou por audiência de custódia após pedido da defesa, que foi acatado pelo juiz Thiago Bertuol de Oliveira.
De acordo com a decisão que concedeu a liberdade provisória a Miguelito, “mesmo os indícios apontando para a provável prática do delito […] não encontro impedimentos para que possa o flagranteado responder pelo delito em liberdade”.
O documento explica ainda que a liberdade provisória foi deferida pois não há “evidências concretas de que a ordem pública possa ser abalada com a libertação do detido, nem de que este possa vir a se furtar da aplicação da lei penal”.
A investigação segue e o Ministério Público pode denunciar o atleta, configurando ação penal. A Procuradoria do Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD) também pode apresentar denúncia na esfera desportiva.
Caso gerou confusões no estádio
Caso gerou confusões no estádio
Valdecir Galvan/RPC
O caso gerou confusões dentro e fora do gramado do Estádio Germano Krüger, onde estava sendo realizada a partida.
A primeira foi entre os próprios jogadores, como explica o delegado Gabriel Munhoz.
“Logo após a ofensa ter sido proferida, o jogador Alanno já vai pra cima, tenta tomar satisfações com o Miguelito, e inclusive tanto a vítima quanto a testemunha também afirma que logo após o Miguelito perceber que teria falado essa ofensa racista ele tentou desconversar, mas que foi possível ouvir de forma nítida e clara a ofensa racial”, afirma.
Enquanto a partida estava paralisada, torcedores do Operário e do América que estavam atrás do banco também se envolveram em confusões. Segundo o Operário-PR, um torcedor foi identificado por ter jogado um copo nos jogadores do América-MG e foi retirado por policiais militares.
Quando o jogo recomeçou, Allano recebeu cartão amarelo por uma entrada mais forte em Miguelito. O jogador do América-MG foi substituído no intervalo.
No final, a partida terminou em 1×0 para o time paranaense.
O que dizem os envolvidos
Miguelito
À RPC, afiliada da TV Globo no Paraná, a defesa de Miguelito disse que segue o posicionamento do América-MG.
América-MG
Em nota divulgada nas redes sociais, o clube destacou que o atleta negou a prática do crime à polícia e afirma que confia na palavra do jogador e está oferecendo suporte para auxiliá-lo no caso.
“O Clube reafirma seu compromisso inabalável no combate ao racismo. Esses valores são inegociáveis, e o América Futebol Clube repudia veementemente qualquer ato de preconceito e discriminação”, finaliza o texto.
Allano
O jogador Allano se manifestou por meio de nota, enviada pela assessoria do Operário-PR em nome dele. Veja abaixo.
“Venho, por meio desta nota, me manifestar sobre o episódio lamentável de injúria racial que sofri durante a partida entre Operário e América Mineiro, pelo Campeonato Brasileiro da Série B.
Infelizmente, mais uma vez, o racismo mostrou sua face cruel dentro de um espaço que deveria ser de celebração, respeito e igualdade. Ser ofendido pela cor da minha pele é algo doloroso, revoltante e, acima de tudo, inaceitável.
Não vou me calar. Não por mim apenas, mas por todos os que já passaram por isso e por aqueles que ainda lutam para que esse tipo de violência acabe de vez. O futebol, como a sociedade, precisa dizer basta ao racismo. Precisamos de justiça, responsabilidade e, sobretudo, empatia.
Agradeço ao Operário pelo apoio, aos meus companheiros de equipe, à minha família e a todos que têm se solidarizado comigo neste momento. A luta contra o racismo é de todos nós, e ela não vai parar enquanto houver injustiça.”
Operário-PR
Em nota divulgada nas redes sociais, o time Operário-PR disse repudiar com veemência qualquer ato de racismo e afirmou que está buscando as imagens e demais elementos que possam confirmar os fatos. O clube adiantou, também, que tomará todas as medidas cabíveis “diante da gravidade da situação”.
“Reforçamos que o Operário está prestando todo o suporte necessário ao atleta Allano e seguirá firme em seu compromisso com a luta contra o racismo, dentro e fora de campo. Não vamos tolerar nenhuma forma de discriminação”, diz a nota.
Presidente do América-MG
Em nota, o presidente do Conselho de Administração do América-MG, Alencar da Silveira, disse manifestar total solidariedade ao atleta Miguelito, chamando as acusações de “infundadas”. Confira o texto completo abaixo:
“O América FC , fiel à sua história centenária e aos princípios que a sustentam, vem a público prestar esclarecimentos e manifestar total solidariedade ao atleta Miguel Ángel Terceros Acuña, diante de acusações infundadas que tentam associar seu nome a conduta de cunho racista.
Após criteriosa apuração interna e análise dos fatos disponíveis, não foi identificada qualquer atitude, gesto ou declaração do jogador que possa, sob qualquer ângulo, ser interpretada como discriminatória. Ao contrário, Miguel Terceros sempre demonstrou conduta ética, respeito e espírito esportivo, sendo amplamente reconhecido no clube por seu profissionalismo e integridade.
O América FC reafirma, de forma enfática, seu compromisso inegociável com a igualdade, o respeito à dignidade humana e o combate a toda e qualquer forma de preconceito. Repudiamos qualquer tentativa de imputar condutas incompatíveis com esses valores a nossos atletas e colaboradores — ainda mais quando desprovidas de qualquer respaldo nos fatos.
Seguiremos firmes na defesa dos princípios que norteiam nossa instituição e na preservação da honra de todos que constroem, com dedicação e respeito, um futebol mais justo, inclusivo e humano.”
Vídeos mais assistidos do g1 Paraná:
Veja mais notícias da região em g1 Campos Gerais e Sul.