Comissão específica analisou no dia 16 como o cenário generalizado de evasão nas universidades se manifesta na instituição; comunidade será ouvida nesta quinta-feira (24) no Campus Agrárias
Por Silvia Cunha (Prograd/UFPR)
A evasão no ensino superior público tem se acelerado no pós-pandemia e preocupa as instituições federais, o que inclui a Universidade Federal do Paraná (UFPR). Depois de criar uma comissão própria para o enfrentamento desse obstáculo — que é ao mesmo tempo institucional e do sistema educacional brasileiro —, a UFPR realizou, na última quarta-feira (16), em Curitiba, o I Seminário de Combate à Evasão, com o intuito de disseminar diagnósticos e articular ações de gestão interna.
A iniciativa reuniu integrantes da Comissão de Combate à Evasão e Baixa Procura, vinculada ao Gabinete da Vice-Reitoria, que conta com representantes de diversas pró-reitorias — de Graduação e Educação Profissional (Prograp), Ações Afirmativas e Equidade (Proafe), Políticas de Permanência Estudantil (P4E), Pesquisa e Pós-graduação (Propg), e Planejamento e Dados (Proplad) —, além da Diretoria de Desenvolvimento do Interior (DDI) e do movimento estudantil.
O seminário faz parte de uma série de diálogos que contará com audiência pública nesta quinta-feira (24), às 14 horas, no Campus Agrárias, em Curitiba; e com reunião online para apresentação dos resultados no dia 9 de junho.
No dia 16, a discussão se concentrou na recorrência com que um dado foi registrado de 2021 a 2024, o número de estudantes evadidos superando o de concluintes ano a ano. A evasão ocorre quando o estudante ainda não concluiu o curso, mas deixa de se matricular, devido a abandono, cancelamento de matrícula ou jubilamento. Logo, a comparação entre os dois cenários — evasão e conclusão — expõe o panorama do interesse no curso e das condições para concluí-lo.
Planejamento
No caso da UFPR, o desvio dos últimos anos mostra um aprofundamento em relação a cenários anteriores, como 2012, ano em que o dado se repetiu, mas com menos amplitude. Partindo dessa conjuntura, o seminário teve como objetivo mapear iniciativas já desenvolvidas na instituição, com foco na integração de esforços e na consolidação de políticas que fortaleçam a permanência e a trajetória acadêmica dos estudantes.
Segundo a pró-reitora de Graduação e Educação Profissional, Andrea do Rocio Caldas, também professora no Setor de Educação da UFPR, o trabalho da comissão é estabelecer o que a instituição deve fazer para combater o quadro internamente.
“Partimos do pressuposto de que a evasão é um problema. Não apenas da UFPR, mas das universidades brasileiras como um todo. Ela tem diversas causas. Estruturais, sociais, culturais, mas também causas internas, pedagógicas e administrativas. Não podemos atuar diretamente nas causas externas, pelo menos não do ponto de vista da gestão. Por isso, essa comissão se propõe a trabalhar com as causas internas e apontar soluções”.
Caldas destacou a conexão entre essa pauta e o processo de recredenciamento da universidade, previsto para o próximo ano. Para a pró-reitora, esse processo exigirá um plano de enfrentamento à evasão.
“Queremos mostrar ao MEC [Ministério da Educação] e ao Inep [Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira, que gere os indicadores federais da educação] que temos clareza sobre isso e que já temos iniciativas em andamento”, adiantou.
Alertas
O estatístico Lineu Alberto Cavazani de Freitas, servidor técnico da Proplad, coordenador de Estatística e Ciência de Dados da UFPR e membro da comissão, destacou alertas no panorama da graduação na instituição.

Um deles é o aumento no número de vagas sem que sejam ocupadas, o que vem ocorrendo desde a pandemia.
“Ao longo dos anos houve um aumento no número de vagas ofertadas somando vestibular e SiSU. Quando olhamos o número de matriculados, com exceção de 2020, que foi fortemente impactado pela pandemia, ele se manteve constante. Ou seja, apesar de termos mais vagas, essas vagas não estão sendo ocupadas. Esse já é um primeiro alerta.”
Em seguida, há o número de concluintes, que vinha crescendo entre 2012 e 2019, mas sofreu queda significativa a partir de 2020. Já de 2012 a 2019, o número de evadidos se manteve relativamente estável, em torno de 3 mil por ano. A partir de 2020, essa curva sobe rapidamente.
“Voltamos ao mesmo patamar de concluintes que tínhamos em 2012, apesar de termos hoje mais vagas. O número de evadidos continua crescendo, enquanto o de concluintes permanece constante. Esse é um cenário grave.”
Permanência
Quanto ao segundo ponto, estratégias de permanência estudantil foram destacadas durante a reunião. A vice-reitora Camila Fachin, do Setor de Ciências da Saúde, citou o impacto da moradia estudantil.
“Quando olhamos para universidades federais que oferecem moradia em número adequado — ou, pelo menos, melhor do que o nosso —, vemos que elas apresentam uma taxa um pouco menor de evasão. Atualmente, oferecemos apenas 80 vagas de moradia. Qualquer número maior do que esse já é melhor, certo? Por exemplo, a UFMG tem mais de 1,6 mil vagas. A UFSM tem uma estrutura de moradia estudantil bastante consolidada. Isso nos mostra que a moradia é, sim, um ponto crucial.”
Fachin compartilhou esforços da gestão para ampliação desse direito, como as tratativas para tentar a cessão de dois prédios federais no Centro de Curitiba, de propriedade do Ministério da Saúde e do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).
“A ideia é que esses prédios possam ser transformados em futuras moradias estudantis. Se obtivermos sucesso nessa cessão, poderemos oferecer cerca de mil vagas. Ou seja, passaríamos de 80 para mil. Claro que, diante dos nossos quase 40 mil estudantes, ainda é pouco. Mas já seria um avanço significativo nessa questão da moradia estudantil.”
Abandono
Vivências de estudantes da UFPR que enfrentam dificuldades de permanência estão na tese de doutorado defendida em 2024 no Setor de Educação da UFPR pela pedagoga Eliane Felisbino, técnica da Prograp, que apresentou os dados no seminário.
Chamado de “Infelizmente, a Federal não é para todos’: desvelando desigualdades na educação superior a partir da percepção do estudante evadido dos cursos da UFPR”, o trabalho busca compreender a evasão universitária a partir da perspectiva dos próprios estudantes que deixaram a instituição.
A pesquisa ouviu 1.783 estudantes evadidos, em um recorte temporal que vai de 1984 a 2020 — evitando a pandemia para avaliar melhor as causas institucionais. No universo de 34 mil estudantes que receberam o questionário, 917 afirmaram que a universidade poderia ter feito algo para que permanecessem nos cursos.
A pesquisa ouviu 1.783 estudantes evadidos, em um recorte temporal que vai de 1984 a 2020 — evitando a pandemia para avaliar melhor as causas institucionais. No universo de 34 mil estudantes que receberam o questionário, 917 afirmaram que a universidade poderia ter feito algo para que permanecessem nos cursos.
Metade dos estudantes evadidos são homens, e 45% são mulheres — ainda que mais mulheres ingressem na universidade, os homens evadem mais. Em torno de 18% dos estudantes evadiram no mesmo ano de ingresso na universidade. Metade abandonou o curso entre um e três anos após o ingresso, enquanto 21% evadiu entre quatro e seis anos após ingressar e, 9%, após sete anos de matrícula.
“Esses grupos precisam ser olhados com atenção. A evasão tem diferentes tempos e razões. E isso nos leva à idade: quanto maior a faixa etária, maior a tendência à evasão”, avaliou Felisbino.
Entre 2004 e 2019, o abandono foi a principal forma de evasão, com mais de 30 mil casos. Cancelamento e jubilamento foram mínimos, com apenas 385 registros.
“Precisamos focar principalmente no abandono. E isso passa por desburocratizar a permanência. A evasão crescia cerca de 10% ao ano antes da pandemia, e depois saltou para 20%. Comparado ao crescimento das formaturas (20%), a evasão cresceu 66%.”
Questão institucional
A pesquisadora fez críticas ao modo como a evasão foi historicamente tratada no campo do problema pedagógico. No estudo, estudantes apontam questões de pertencimento, acolhimento e saúde mental que podem ser consideradas de atribuição institucional.
Perguntados sobre se evadiram por adoecimento, 42% disseram que sim. Desses, 84% relataram problemas de saúde mental.
“Muitos já chegam adoecidos, mas muitos também adoecem aqui. Não podemos nos eximir dessa responsabilidade”, sustentou. “Nos estudos institucionais, a evasão sempre foi vista como responsabilidade do estudante. Hoje, começamos a construir uma consciência de que ela também é responsabilidade institucional.”
A pedagoga ressaltou que o perfil do estudante da UFPR mudou: é um “estudante trabalhador”, com menos tempo para estudo e necessidade extras para permanência.
“Esse perfil ainda não está integrado à estrutura da universidade. É fundamental pensar a evasão a partir da aprendizagem, das burocracias da permanência, do sofrimento estudantil — que começa antes, passa pelo durante e persiste após a evasão. Precisamos compreender os motivos e reconhecer esse novo perfil.”
Cronograma
A programação do seminário prevê a continuidade dos debates. Nesta quinta-feira (24), será realizada uma audiência pública com estudantes. No dia 9 de junho, haverá reunião online para apresentação dos resultados do seminário. O link de acesso será divulgado em breve.
A Prograp reforçou o convite para que a comunidade universitária participe e contribua com esse processo coletivo.
“Por tudo isso — porque a evasão também é um problema social, mas, muito concretamente, um problema que exige ação urgente — precisamos enfrentá-lo. Sabemos que não vamos resolver o problema da evasão em um ano, nem nos próximos quatro anos, mas podemos e devemos minimizar seus efeitos”, diz a pró-reitora Andrea Caldas.
Edição: Camille Bropp