Conheça as parcerias científicas da UFPR selecionadas em edital voltado à Amazônia

Resultado da chamada nacional Iniciativa Amazônia+10 mostra atuação da universidade em projetos de pesquisa na região em diferentes áreas: levantamento de riquezas geológicas, descoberta de novos insetos e controle das leishmanioses

No mapa a capital brasileira da Amazônia Legal mais próxima de Curitiba é Porto Velho, em Rondônia, que fica a 40 horas de carro da capital paranaense. Parcerias científicas, porém, vão bem mais longe do que isso, movidas por propósitos em comum.

Esse é o espírito por trás dos projetos da Universidade Federal do Paraná (UFPR), em cooperação com outras instituições, que foram aprovados pelo edital Expedições Científicas, dos conselhos nacionais das Fundações Estaduais de Amparo à Pesquisa (Confap) e do Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

Divulgado em dezembro, o resultado destacou três propostas de pesquisa em parceria com a UFPR entre as 22 selecionadas. Além de evocar a biodiversidade da Floresta Amazônica, considerada a reserva biológica mais diversa do planeta, as propostas abordam gargalos estruturais da região. Os projetos em que pesquisadores da UFPR atuam tratam de áreas do conhecimento diversas: geomática, taxonomia e saúde pública.

Arqueologia

Um dos projetos busca investigar o patrimônio arqueológico de Roraima, o Estado brasileiro menos conhecido do ponto de vista dessa ciência. A ideia é criar um inventário dos sítios arqueológicos roraimenses, que são conhecidos de populações tradicionais, mas não estão sistematizados para estudo científico.

Rocha onde povos pré-coloniais amolavam instrumentos (oficina lítica), no sítio arqueológico Itã, em Roraima. Fonte: Iphan-RR/Reprodução

A pesquisa é uma cooperação entre a Universidade Federal de Roraima (UFRR) — cuja docente, Ananda Machado, coordena o projeto —, o Laboratório de Geodésia Aplicada à Engenharia (GEENG) da UFPR e a Associação dos Povos Indígenas da Terra São Marcos (APITSM).

As expedições científicas serão realizadas com o apoio da comunidade. Ao fim do estudo, os resultados serão divulgados em livro, em story map (ferramenta on-line com mapas interativos) e pelas redes sociais feitas por jovens indígenas em suas línguas nativas.

“O projeto busca a divulgação e preservação de um patrimônio arqueológico que vem sendo ameaçado, saqueado e, em alguns casos, destruído”, conta o professor Luis Augusto Koenig Veiga, do Departamento de Geomática (DGeom) da UFPR.

No início do ano passado Veiga participou de uma expedição arqueológica no sítio roraimense Arara Vermelha. Também atua no projeto o professor Alex Soria Medina, do DGeom.

Os inventários são o primeiro passo para a proteção dos sítios arqueológicos, porque criam uma base sólida para pesquisas e políticas de preservação. A colaboração do GEENG está no uso de tecnologias de modelagem 3D, mapas interativos e ferramentas virtuais.

Contra as leishmanioses

As leishmanioses são doenças de alta incidência em diversas regiões do Brasil. O combate a elas é o tema de um dos projetos de pesquisa com a UFPR, em cooperação com a Universidade Estadual do Maranhão (Uema). A pesquisa visa entender melhor os impactos dessas parasitoses na Amazônia maranhense, contribuindo para aprimorar a prevenção.

O mosquito-palha é um dos transmissores das leishmanioses. Foto: CDC/Commons

Existem duas formas de leishmanioses: a tegumentar (cutânea), mais comum, porém capaz de causar deformações; e a visceral, mais grave, que acomete mais de 3,5 mil pessoas por ano no país.

Causadas por um grupo de protozoários, são doenças consideradas negligenciadas em nível mundial, ou seja, acometem populações pobres ao redor do globo. No Brasil são de notificação compulsória, o que significa que as autoridades de saúde devem ser imediatamente avisadas do diagnóstico.

O Maranhão possui cerca de 25% do seu território na Amazônia Legal, mas é um Estado com poucas áreas de proteção do bioma. Além do desmatamento, o baixo índice de desenvolvimento humano de algumas regiões é um agravante. Soma-se a isso que a alteração do ecossistema, comum nas cidades amazônicas, vem aumentando o risco de ocorrência das leishmanioses.

A proposta da parceria Uema/UFPR é investigar a diversidade de flebotomíneos (grupo científico do mosquito-palha) e de espécies de Leishmania (gênero dos protozoários que causam as doenças) em áreas da Reserva Biológica do Gurupi.

O projeto propõe pesquisar as espécies existentes, a capacidade de contágio e do que se alimentam os flebotomíneos da Amazônia maranhense. Essas atividades servirão para criar um acervo da fauna local capaz de destacar quais espécies de mosquito estão na região — se são vetores de Leishmania, não vetores ou espécies suspeitas.

Outra frente do projeto é a formação de recursos humanos na saúde única, com a capacitação de agentes de saúde e de endemias para estudos de campo e em laboratório. As comunidades que vivem nos povoados da reserva — São João do Carú, Bom Jardim e Centro Novo do Maranhão — serão envolvidas em ações educativas.

“A UFPR dará suporte no processamento e na identificação dos flebotomíneos e na capacitação dos agentes com foco em promoção da saúde, popularização da ciência e construção da cidadania”, adianta o professor Andrey José de Andrade, do Departamento de Patologia Básica da UFPR.

A expectativa é que a pesquisa possibilite projetos de iniciação científica e na pós-graduação, além criar e fortalecer parcerias científicas. As expedições de campo começarão a ser planejadas neste ano.

Libélulas

Assim como os peixes, as libélulas, por serem insetos aquáticos, servem como indicadores vivos da saúde geral de ambientes com corpos d’água. Essa é a ideia por trás da proposta de analisar esses animais para entender os efeitos da exposição ambiental ao mercúrio, usado no garimpo, em regiões remotas da Amazônia.

Coordenado por Rafael Rodrigues Lima, da Universidade Federal do Pará (UFPA), o projeto EcoTaxÔmica conta ainda com a UFPR e a Universidade de São Paulo (USP). Os pesquisadores investigarão oito comunidades na Reserva Extrativista (Resex) Arapiuns-Tapajós, que abriga igarapés e é altamente impactada pelo garimpo.

Reserva Extrativista Tapajós-Arapiuns, no Pará, com acesso pelo Rio Tapajós. Foto: ICMBio/Reprodução

Serão coletadas e examinadas amostras da comunidade de libélulas (insetos da ordem Odonata) e dos peixes consumidos por moradores e comercializados localmente. Os dados serão comparados com amostras de cinco comunidades de uma área do Rio Acará que servirá de referência.

As análises em nível molecular ajudarão também na caracterização e na descrição de novas espécies. Com quase mil espécies descritas, o Brasil detém a maior diversidade de libélulas do mundo, muitas delas vivendo exclusivamente na Amazônia e ainda pouco conhecidas. Com isso, a biodiversidade da reserva ficará em destaque, o que pode ajudar em apoio ao turismo de natureza.

“É uma oportunidade única para estudar a biodiversidade amazônica e ao mesmo tempo investigar mecanismos que possam auxiliar na mitigação dos impactos das ações da exploração de minérios na maior floresta tropical do mundo”, diz o professor Ângelo Parise Pinto, do Departamento de Zoologia da UFPR e coordenador do Laboratório de Sistemática de Insetos Aquáticos (Labsia).

Parise Pinto tem 20 anos de experiência em expedições científicas em quase todos os estados brasileiros, mas classifica a Amazônia como um desafio especial. “Sempre desperta o imaginário como pesquisador e naturalista, trazendo a sensação de visitar o desconhecido, o intocado. Meu grupo de pesquisa terá a oportunidade de investigar essa região pela primeira vez e assim colaborar para o conhecimento da biodiversidade antes que ela seja extinta para enriquecer nossos acervos científicos”.

A UFPR já faz parte da Rede Paranaense de Coleções Biológicas (TaxOnline), financiada pela Fundação Araucária como um dos Napis (Novo Arranjo de Pesquisa e Inovação). A instituição é responsável pelo segundo maior acervo de insetos do país, a Coleção Entomológica Padre Jesus Santiago Moure (LINK:https://dzupufpr.wixsite.com/colecao), com mais de sete milhões de exemplares.

Os dados também serão incorporados a coleções científicas em instituições públicas sediadas na Amazônia, como o Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG), e em plataformas digitais, entre elas o Sistema de Informação sobre a Biodiversidade Brasileira (SIBBr).

Sobre o edital

A chamada Expedições Científicas tem investimento previsto de R$ 76 milhões e envolve, via Confap, as fundações de amparo à pesquisa estaduais — no Paraná, a Fundação Araucária.

Os 22 projetos selecionados reúnem 85 grupos de pesquisadores vinculados a 19 fundações, além das agências UK Research and Innovation (UKRI), do Reino Unido, e Swiss National Science Foundation (SNSF), da Suíça.

A ideia é apoiar estudos in loco para ampliar o conhecimento sobre a sociobiodiversidade e a biodiversidade amazônica. Segundo a organização, mais de 60 localidades pouco abordadas pela comunidade científica serão estudadas, entre elas terras indígenas, reservas de desenvolvimento sustentável e extrativistas e regiões de difícil acesso.

A chamada segue a modalidade de apoio, com financiamento de bolsas e itens de custeio. O prazo de implementação dos projetos é de até três anos.

Foto de destaque: Adam Śmigielski/Unsplash

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