Exposição colaborativa propõe reflexão sobre vivências das comunidades caiçaras

Uma ação colaborativa que busca o compartilhamento e reflexão sobre as paisagens, personagens e vivências das comunidades caiçaras em uma exposição virtual de fotos, áudios e vídeos. Este é o projeto Paisagens Caiçaras, realizado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) em parceria com a Universidade Federal do Paraná.  

Iniciado em 2021, o projeto resultou em duas exposições virtuais e dois catálogos com os materiais, que foram selecionados por curadoria após uma chamada popular. A articulação da UFPR com o Iphan foi realizada por meio do Laboratório de Práticas Expressivas e Temas Emergentes – Emaranhado.Lab, ligado ao Departamento de Design. 

De acordo com um dos coordenadores do laboratório, professor Ronaldo Correa, a proposta do Iphan era produzir um formato diferente para a divulgação das reflexões sobre a cultura caiçara, tendo como princípio a participação e protagonismo da comunidade. 
 
“O objetivo é criar e funcionar como um espaço de compartilhamento, produção e difusão de narrativas visuais, sonoras, audiovisuais sobre os temas relacionados ao universo simbólico, geográfico e político caiçara, possibilitando a criação de outras produções, sentidos e imaginações a respeito desses coletivos culturais”, explica Correa. 

A primeira edição do Paisagens Caiçaras, segundo dados do Iphan, contou com 169 trabalhos em imagens, vídeo e texto, enviados por 31 colaboradores. A seleção foi feita por chamada pública e nativos ou moradores das comunidades do Paraná, São Paulo e Rio de Janeiro puderam participar.  

Já a segunda ação foi denominada “As vilas e populações caiçaras do Brasil” e foi impulsionada por um convite da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos, que propôs a criação de um selo especial utilizando alguma das produções. Uma nova chamada de trabalhos, que buscou ampliar ainda mais a participação das comunidades, selecionou 156 imagens de 26 autores, entre fotografias, pinturas, desenhos e gravuras. Os retratos trazem um pouco do cotidiano caiçara em Guaratuba, Matinhos, Paranaguá, Antonina, Guaraqueçaba, Cananéia, Iguape, Ilha Comprida, Ilhabela, São Sebastião, Ubatuba, Paraty e Mangaratiba.  

Um dos participantes doa segunda chamada do projeto é o professor de Artes e mestre fandangueiro Leandro Diéguiz, morador de Guaraqueçaba há 29 anos. Ele enviou oito fotografias que retratam o cotidiano, meio ambiente e patrimônios históricos abandonados do território caiçara, e as denominou “Olhares de Dentro”. 
 
Uma das imagens, inclusive, é a foto de capa do catálogo da segunda edição. Leandro conta que ficou sabendo do projeto pela divulgação das ações do Iphan e quis contribuir. 
 
“Retratar a cultura caiçara é essencial pelo registro visual que armazena práticas quase extintas por toda uma eternidade, mas também pela valorização daqueles que salvaguardam essa cultura, pois trabalhar a cultura tradicional nos dias de hoje é um ato de resistência”, afirma. 

Projeto buscou representatividade das comunidades 

As duas edições do Paisagens Caiçaras contaram não só com a chamada de trabalhos, mas também com ações desenvolvidas nos territórios para elaboração dos catálogos e apresentação do resultado final. Professores e bolsistas da UFPR participaram de toda a elaboração do projeto, desde a definição dos temas selecionados para cada edição e articulação com as comunidades até na pesquisa e execução das ações. 

“Cada edição do projeto realizou ações de difusão e compartilhamento dos resultados, por exemplo, a participação ativa dos grupos e representantes na formulação de editais de seleção de material para as exposições, a participação em grupos de trabalho, rodas de conversa nos territórios, atuação na curadoria do material e discussão sobre a montagem das exposições e materiais como catálogos digitais e físicos”, conta o professor Ronaldo Correa. 

Entre os curadores, estão membros das comunidades ligados à grupos artísticos ou pesquisadores da cultura. Um deles foi o mestre fandangueiro José Carlos Muniz, de Guaraqueçaba, que há mais de 30 anos trabalha na difusão artística e cultural do território e em projetos de educação.

José Carlos destaca a importância da construção conjunta do projeto Paisagens Caiçaras e a preocupação dos articuladores do projeto em mostrar os catálogos finais para a comunidade. Segundo ele, desde a década de 1990, a cultura caiçara é bastante explorada nas artes e na pesquisa acadêmica, ou em projetos governamentais, mas nem sempre os moradores têm acesso ao que é produzido. 

“Você tem um pesquisador que vem aqui, faz todo o seu trabalho, publica seu livro e a gente nem fica sabendo. Ou o cineasta que grava seu documentário, ganha seu dinheiro e a gente não tem sequer uma exibição desse filme na nossa região”, explica. “Hoje a gente tem as escolas do campo, e todas elas pautam pelo princípio de trabalhar sua cultura nessas comunidades. Mas elas passam por um grande problema de não ter material”. 

Para o mestre fandangueiro, este projeto foi um primeiro passo, pois muitos erros do passado em relação à difusão da cultura caiçara ainda prexisam ser corrigidos. Mas José Muniz ressalta diz que retornar os catálogos para as comunidades ou ver o projeto atingir novas dimensões, como a parceria com o Coreios, é bem representativo.  
 
“Nós queremos ser ouvidos e queremos que esses materiais, que essas exposições circulem nos grandes centros, mas que estejam aqui em nosso território também”. 

Atuação do Emaranhado.Lab

O trabalho do projeto Paisagens Caiçaras contou com a mediação dos professores e estudantes do Emaranhado.Lab para a articulação com as comunidades. Em conjunto com o Iphan, a UFPR atuou nas etapas de debate, registro e difusão da exposição.

“A participação no projeto e o contato com a estrutura do IPHAN foram experiências enriquecedoras para os bolsistas em diversas frentes. Primeiramente, proporcionou o deslocamento até o litoral e a atuação direta com as comunidades, além das práticas de registro e monitoria de workshops”, afirma. “Além disso, buscamos fomentar um ambiente de trabalho pautado na autonomia, permitindo que os estudantes propusessem, produzissem e executassem estratégias de difusão das ações culturais”, afirmou a professora Yasmin Fabris, também coordenadora do laboratório. 

O Emaranhado.Lab vem trabalhando em outros projetos semelhantes, buscando promover reflexões sobre temas emergentes entre a universidade e a comunidade por meio da elaboração de produções expressivas. Exemploes são a mostra “Tecidos de Luta: Águas para a Vida”, realizada na Caixa Cultural em 2023, e as atividades de reflexão crítica sobre os 60 anos do Golpe de 1964, organizando a exposição “Imagens de Lutas. Imagens de Resistência”. 

“Essas iniciativas se relacionam com o curso à medida que compreendemos o design de forma ampla — não apenas como uma ferramenta para operacionalizar essas ações, mas também como um campo de reflexão crítica sobre a dimensão visual e discursiva dessas propostas”, afirma Yasmin Fabris. 

Junto com o Iphan, a UFPR está trabalhando na elaboração de uma terceira edição do projeto Paisagens Caiçaras, que deve ter como temática as decorações de rabecas caiçaras, instrumento utilizado no fandango caiçara. A edição deve visibilizar materiais de acervos institucionais e de pesquisa (acadêmica e popular) sobre o tema. 
 

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